segunda-feira, 21 de abril de 2014

"Ensaio sobre a lucidez"(?).

Há uma semana comecei a cursar Psicologia na UFPB. E comecei a notar que eu tinha vergonha de comentar esse fato, simplesmente por achar que, com trinta anos, profissão, casamento, filho e árvore (falta o livro, eu sei), eu já tinha garantido passaporte para o lado dos 'não-devedores' do mundo. A não ser se fosse para "passar em um concurso melhor", sentia que não cabia mais a mim avançar na minha busca por um sentido maior para a vida. Mas desde criança eu sonho secretamente em melhorar o mundo. Aos trinta, tinha me contentado em apenas fazer com que este mundo não me piorasse como pessoa. Mas não pude me conter.

Hoje, percebo claramente que "melhorar o mundo" não é utópico, e sim um dever moral. Este mundo é pesado demais para mim, e deve ser também para muitas pessoas. Ele impõe padrões esmagadores sobre nós, não apenas jovens de trinta anos, mas sobre todos, sem distinção. Cada fase, uma cobrança. Padrões de beleza. De bem estar. De sucesso. De felicidade. Padrões que, admito, me afetaram e me afetam até hoje. De repente sinto como se ideias fossem plantadas na minha cabeça, pensamentos que eu nunca tive antes, que dizem como devo agir, como devo me vestir, como deveria ser minha forma física, quem eu devo ser. Eu tento ser autêntica, mas sinto como se eu estivesse sendo corroída, tragada pelos "ideais" que nunca foram, legitimamente, meus. Buscar o que genuinamente eu queria para a vida, me demandou e ainda me demanda um tempo absurdo. Seguir nosso coração, em meio a tantas pressões externas, internas, transversas, indiretas...pode ser muito difícil. E solitário.

Eu conheço de solidão. Dias em que você se sente completamente sozinho. Sem chão ou sem esperança alguma. E eu sei que muitos desses sentimentos são gerados apenas pelo descompasso entre quem verdadeiramente somos e quem o mundo quer que nós sejamos. Tentar criar aquele panorama da nossa vida, sobre o que fizemos durante todo este tempo, pode nos arrebentar um pouco mais todo dia. A comparação entre o que conseguimos e o que os outros (sempre os outros, como diria Sartre) conseguiram, pode doer, nos magoar, nos levar à perda de sentido. Porque o sentido parece ser uma meta, e não um sentimento. 

Qualquer um que desafie as normas desse senso 'comum' do mundo, onde os deprimidos são perdedores, os que sentem são chamados de dramáticos, os que choram são chamados de fracos, e os egoístas são admirados, inevitavelmente vão sofrer, diante do sentimento constante de inadequação com o ambiente em que vivem. A boa notícia é a de que estereótipos não servem a ninguém. E ainda há corajosos por aí, que em algum momento percebem que a vida é vivida apenas por quem a vive. Não para a platéia. Por sinal, não existe platéia quando sofremos pelas escolhas que não foram nossas de verdade.

E é por isso que hoje, mesmo com algumas nuvens sobre minha cabeça, me sinto feliz em estar estudando algo que sempre esteve na minha vida. Sigo com a motivação de que este mundo poderá ser bem melhor se apenas fizermos o esforço de ser menos horríveis uns para os outros. Se reservássemos apenas cinco minutos para reconhecer a beleza de cada um, ao invés de nos atacar mutuamente pelas nossas diferenças, tenho certeza de que as relações que construiríamos seriam bem melhores. Não é difícil. É uma maneira mais fácil e melhor de se viver. Em última análise, isso pode salvar nossa vida. 


Mas para muitas pessoas, isso não é apenas difícil, é quase intransponível. Porque amar outras pessoas, em querer enxergá-las de uma maneira melhor e mais humana, começa em amar e aceitar quem somos. E geralmente só amamos depois de nos conhecermos. Enxergo assim a terapia na minha vida. Não apenas aquelas em que estive à frente de um terapeuta profissional, mas principalmente, aquela terapia cotidiana, em que me conheço a partir do outro. Vejo minhas mazelas, meus deslizes, minhas virtudes através das pontes que estabeleço com quem convivo. É assim que vamos nos conhecendo e percebendo o que temos de luz e de sombra. Só assim, depois de uma completa varredura sobre nossos cantos, é que podemos nos aceitar verdadeiramente e amar a nós mesmos. E só depois, amar o outro de verdade. Do jeito que ele é, sem precisar mentir, sem máscaras, sem precisar inventar. O título desse blog, há sete anos, foi inspirado nesse desejo. Só nos sentimos verdadeiramente amados quando podemos ser quem a gente é. A solidão só se vai quando a gente pode tirar as sandálias e sentar descalço no coração de alguém.

Eu aprendi que esse amor , com suas alegrias, suas belezas e mesmo suas dores, é o mais incrível presente para dar e receber de um ser humano. Nós merecemos isso. E para ajudar pessoas que não acreditam nisso a ter uma vida mais fácil e mais esperançosa, é que estou estudando. Já tive vários momentos iguais aos do George Bailey, no filme " A Felicidade Não se Compra" ('It´s wonderful life', de Frank Capras) , em que ele desacredita da sua importância na vida dos outros e um anjo sem asas aparece para lembrá-lo de quem ele é e de tudo o que ele já fez de bom. Esse anjo na minha vida teve vários nomes. E me salvou por muitas vezes. E eu desejo ser um deles na vida de quem precisar de mim. É assim que acredito que posso melhorar o mundo. É a minha obrigação. ;)


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Sobre o tempo

Fiquei assustada com a lacuna do tempo em que estive aqui. Mas reflete bem minha atual fase: ando meio distante de tudo, mergulhada no universo da maternidade de forma profunda e é bem difícil emergir, ainda que eu queira. Isso anda me assustando tanto que topei fazer vestibular de novo para um curso que sempre quis fazer (quer dizer, um deles...comecei Letras e larguei, começo agora Psicologia e quem sabe, mais tarde, Filosofia...), mas eu divago, todo mundo sabe. 

Passar no vestibular (ganhando uma quase nota máxima em redação), me revigorou um pouco e com um fôlego extra, comecei a me atentar para o fato de que eu ainda existo, mesmo sendo mãe. Acho a maternidade uma experiência intensa demais, e mergulho nela o tempo todo, e talvez essa falta de energia para escrever aqui tenha (tudo) a ver com isso.

Enfim, essa foi só uma introdução sobre meus pedidos formais de desculpas. Não a quem lê, se é que ainda existem leitores por aqui, mas desculpas para mim mesma. Espero que eu me perdoe por tantas vezes desacreditar das minhas letras, das palavras, das ideias. Esse é o meu mundo, embora tantas vezes eu queira ser tão mais prática e objetiva. No entanto, aprendi com Levi, a deixar ser.

Eu o deixo ser, e ele faz com que eu me permita passar o dia com ele sem culpa. Deixando ser, estar, ficar. Talvez neste um ano de vida do meu filho eu tenha aprendido algo que levei 30 anos sem aprender: a não ter pressa, levar a vida em "low profile", ainda que isso me atormente os neurônios e minha mente inquieta e hiperativa. Não que andar devagar signifique uma morte lenta, mas eu precisava deste ano cabalístico de entrar na maternidade de forma intensa e assustadora. Descobri que a vida pode ser lenta e suave, degustada como um licor. Para um ansioso, aprender a esperar é quase como nascer de novo.

Para resumir meu ano, aí está os melhores momentos que vivi e tive a sorte de filmar alguns. Espero que vcs me perdoem em não ter escrito sobre tudo, mas há cenas, como dizia a Adélia Prado, que a memória ama e eterniza. E talvez não haja palavras para decifrar o indizível... Que eu seja bem-vinda de volta! :)


quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Das coisas do Amor


Ela põe um sabonete novo no banheiro
ele prepara uma carne costurada com palitos
Os pais se seguram na mão enquanto o bebê dorme
O cansaço entrelaça os dois
A professora alisa o caderno encapado colorido
O aluno capricha na letra
A avó faz um leite com canela
O neto dá beijo de boa-noite
O irmão ajuda a levantar da queda
A caçula se enche de orgulho
O namorado ri com a piada
Ela se deixa abraçar e retribui o sorriso
O amigo divulga o talento do outro
E esse agradece com amizade
A mãe chora de alegria
O pai sente saudades e liga
A tia compra roupa de super-herói
O sobrinho faz um desenho
A criança sobe no joelho e dá um beijo
O adulto se desconcerta e abraça
São tantos gestos invisíveis,
Tantas palavras não-ditas,
Sentimento fica escondido
Só aparece quando acaba.